quarta-feira, junho 27, 2007

A Trilha

Caído por hora, filando um assunto.
Sentado lá fora, esperando chegar.

O vento passando por dentro do fone-de-ouvido, e atrapalhando os solos de Desmond, parecia não incomodar mais. Já estava acostumado com tantos gritos e buzinas. Só queria a cama e a parede de cima da cabeceira pra pensar.

Já passava meia hora de cores e tons mudados pelo som da minha cabeça. Ali sentado no chão, com um olhar de desolação, que de tempo em tempo me esforçava pra disfarçar.

As mãos procuravam bolsos, e os olhos alguém pra conversar em silêncio. Um papo telepático, que não começasse com minha história bamba. Hitória morna, de alguém que acha que viveu demais.

Já não queria análises. Buscava um alvo para observar sem ser visto. Um rosto de tristesa maior que o meu. Uma razão para se sentir bem por não ser só.

Por instantes, cochilava e acordava de quatro em quatro segundos. Sonhava e misturava a rumba à dança dos grandes bonecos dubladores de Caetano, que passavam na minha frente de todos os lados.

O escuro me deixou calmo. Enfim uma paisagem bela e constante. Um breu fluido com fundo concreto e pulsante. Como a membrana de uma bolha de sabão negra, cobrindo minha retina por inteiro.

Desligando um a um os sentidos. O frio passou, a boca secou e a música foi pra dentro e muda ficou.

Fiquei lá pra sempre, até o fim dos tempos...

na verdade até o fim da pilha.

quarta-feira, abril 11, 2007

A Graça

...então, sua vontade de falar, veio à tona. E a voz sem tom e som, fez seu gesto nos lábios mudos.
E o cego que outrora via, ouvia a agonia de Arnaldo ao berrar inutilmente, com fervura e vontade de viver.
Mas injusta é a vontade, nos dando a água salgada para matar a sede.
O padre, até então rindo, virou-se para Arnaldo e deu-lhe a mão, e esta, com um tapa quebrou sua fé no mundo. Já não ouvia as gargalhadas dos coroinhas moribundos que corriam pelas galerias.
Jogando suas lágrimas com toda a força no chão de granito, escorregou a testa para frente até deitar. As sandálias de couro marrom lhe esmagavam as orelhas surdas, e a única coisa que sentia nas costas da mão era o frio do piso negro.
O cheiro do sangue seco foi se acabando aos poucos. E as lembranças dos odores do vinho e da hóstia, vinham a todo instante em sua mente confusa. "Eu era tão amado por Ele".
A impotência e a imponência guerreando. Intolerante e onipotente, o sacerdote fez o julgamento entre um chute e outro. E agindo em nome de Deus, furou seus olhos com a cruz de prata.
Arnaldo enfim aprendeu sua lição.
Agradecido sorriu aos céus.

sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Escreve sobre: A teoria musical.

Desde que me entendo por gente, reluto contra a teoria musical. Não sei, é algo complicado de se contra-argumentar. Deve ser, pois quando falo de música, falo de alma e não de cabeça e argumentos são sempre racionais e frios.
A música, em toda a sua organização e desorganização de sons, nos leva por caminhos tortuosos e fluentes de alegria e tristeza, caminhos que não pensam. Claro que digo isto referindo-me a música em sua essência, não em canções ou baladas, nas quais a letra é de suma importância. Pensando assim, digo que a música que nos toca o íntimo, e nos transporta para o mundo do "sentir", não pode ser tão bruscamente trazida de volta por conta de definições e regras.
Eu quero que a harmonia se exploda! Não quero saber de "posso" ou não "posso", de acordes proibidos, de quinta justa e terça maior. Não entendo essa nessecidade de "matematizar" a música, de transformar o coração em máquina.
Uma das únicas vantagens da teoria musical, é a de atemporalizar as composições, de ser meramente um registro. O resto fazemos nós, e a matemática que vá para o Arquimedes que pariu!

quinta-feira, novembro 16, 2006

Passar...

Naquela noite ele decidiu que não deixaria mais.
Depois de muitos anos de imposição e humilhação, pensou e repensou, lembrou e pesou, pareceu e concluiu, e, sabe-se lá como, decidiu.
Engoliu em seco, secou a fronte e bebeu a cachaça. Rabiscou letras, desenhou rabiscos e chorou um pouco.
Amanhã bateria de frente consigo, e escolheria, de uma vez por todas de que lado do espelho ficaria.
Simples jogo de adivinhar, joga as cartas na mesa e aponta. Se ganhar desdenha sua estirpe e foge de uma vez por todas,se, por ventura, perder, continua na sarjeta da casa. Embaralha, pensa, muda de última hora, solta na mesa, descobre o destino e pula da escada, se perde no mato, se esconde na garagem do prédio, se molha na grama, se perde nas luzes da rua, desvia das putas, grita pra sebe, despenca do morro, machuca o mendigo, tropeça nos pés e tira seus tênis, encontra uma fonte, e bebe, na avenida se estica e dorme.
Tão intensa a noite... nunca havia feito tanto em tanto pouco tempo. Falou com um senhor que vinha e pediu as horas, sabia que ainda era de manhã, mas certeza não era. "Caramba! Três da tarde me disseste?" Nem ligou pro coitado e, sem confirmar, seguiu em frente.
Começou a sentir falta do cheiro de almoço que sentia ao abrir os olhos de manhã, mas jurou não pensar mais nisso.
Caçou como um cão urbano o pão-de-cada-dia, e brigou por uma coxa de galinha. Subiu a escada da catedral, e dentro matou sua sede com a água benta.
Seis meses depois ainda era o mesmo. A casca mudara, mas o íntimo era Paulo. Escreveu, com carvão, na lajota assim:

“Sem Marta não vivo
Sou ébrio, vivo, mas sóbrio morto fico
Sem vida sou parte, parte de Marta
Mas Marta morta, mata a parte que lhe tolhe”.


Descobre assim, que nunca fora nada pra ela, e que jogou fora sua vida por uns vinténs.
Sempre em demasia, e nas horas erradas, resolvia no exagero, o mínimo de sofreguidão
Mas agora era tarde, e a tarde se fecha, e a noite, a ele abate...

segunda-feira, outubro 30, 2006

O Orgulho

Bom dia orgulho!
Sei que estás pra cá como estou pra lá.
Não é?
Minhas honras ofereço a ti senhor.
Já que não posso tê-lo conviverei contigo.

Soube certo dia, que acolhes os afortunados e rejeitas os malditos.
Soube certo dia, que colhes os egos e traz castelos à ruína.
Talvez soubesse mais se o senhor não exitasse em me ter como cúmplice.
Talvez não sofresse tanto se não o quisesse.
Quem se importa?

Ontem, preso em meus sonhos frios e enervantes, nos quais preso fico por não te ter.
Vi com a clareza de um cristal de gelo, o que sempre soube.
Vi talvez mais por fraqueza do que clareza as imagens da minha incerteza, na qual não há tristeza que explique esta minha avareza.
Vi em meus sonhos você, que ia embora a cavalo com seu escudo prateado esperando para rir.
Rira de mim, pois em minha impotência de acompanhar-te, vinha seu prazer em meu amar-te.

Acordado, com as pálpebras mais dilatadas à escuridão e o suor gélido que dava tons e mais tons, vi um vulto ao lusco-fusco de minha confusão.
Será que és tu?
Minha cabeça doía e meus sentimentos afloravam à medida que meus olhos se fechavam.
E o medo de não te ter logo me assustava.
Ó orgulho! Porque me acompanhas sem me avisar?
Porque me deixas assim chorar?
Porque me assustas sempre que penso que estás a me acompanhar?

Uma voz então me acometeu logo ao amanhecer do dia:
“não crês que esteja perto, e tens medo que esteja longe”
“não temes a morte pois não crê na vida”
“pois eu pergunto-te agora então”
“será que deste sonho nunca vais acordar?”

sexta-feira, outubro 20, 2006

Reflexões de um Velho Homem

Posso dizer que já gostei de gostar, porém, sempre tão vago quanto sempre. Amor, paixão, dor e ciúmes, entre o frio da ausência e o calor da presença, sempre soube que não era a utopia chamada amor que me fazia respirar.
Protagonista de uma vida sem vergonha, porém recatada, não tão curta mas quase um feto diante do mundo, creio muito no próximo, quando na verdade o mesmo nem sequer sabe quem sou. Adornos e aplausos, que não exito em ceder, são sempre suados de se receber, talvez não os mereça, ou talvez o orgulho dos joelhos seja maior do que o ato em si.
Falso sou comigo. Escrevo sobre o amor, dizendo não saber amar, e calo meu ego com a modéstia. Mas afinal o que é a modéstia se não um amontoado de auto-hipocrisia. Se digo que sou falso comigo, posso afirmar que sou modesto, um modesto que gosta de ganhar elogios.

Escrever sem tema é começar sem nome e terminar com sono.

Assim sempre fui, um falastrão que acha que sabe alguma coisa, um medíocre que demonstra não ser. Talvez seja culpa dessas malditas máquinas que não param de gemer na rua, mas esse, infelizmente é meu defeito mor, botar a culpa no mundo quando o culpado na verdade sou eu.

Chega de malícia, não agüento mais minha hipocrisia, já tentei buscar significado, mas não achei.

Na hora que me foi dada a chance de partir. Resolvi ficar. Apoiei-me nas bases mais falsas do meu caráter dizendo que não podia ir, pois era forte e importante pra alguém.

A quem eu tento enganar? Só sei me inspirar, não sei criar só.

A verdade é que eu ocupo lugar no mundo. Vem você! É você mesmo... pode vir que eu te dou a vez... Não sei se sei aproveitar a chance que me foi dada.

Eu vivo num mundo dos homens, mas sinto vontade de comer carne crua, de matar com as mãos nuas e ver sangue manchando meus pés.

Sei que pensas assim também, não negue que é um animal. Você já quis matar alguém?

Papai me criou bem. Mamãe já me deu tapas. E eu nunca tive uma pipa.

Olha só quem vem falar de orgulho dos joelhos? ESCROQUE! ENERGUMENO!

Às vezes eu acerto minha própria cabeça pra ver se dela sai alguma coisa que não seja puro lixo. E às vezes me frustro.